segunda-feira, 24 de outubro de 2016

O Pesadelo e a Árvore - Desafio Literário

Iniciamos hoje a semana especial de Halloween!

Fique atento, pois todos os dias serão postados os contos recebidos para a participação no Desafio Literário. Recebemos ótimas histórias e iremos compartilha-las com vocês. Ao final da leitura, avalie esse conto e participe da votação!

O Profeta Diário agradece e parabeniza todos os autores.

Boa leitura.


Desafio Literário 2050

O Pesadelo e a Árvore


- Acorde, Nathan, acorde, acorde!!

Eu abri meus olhos. Como de costume a voz feminina que me chamava sumiu completamente assim que despertei. Ainda estava escuro, me virei para o lado direito e alcancei, às cegas, o relógio de pulso. Pegando e trazendo para perto do rosto amassado, passei a mão livre pela franja bagunçada e tentei abrir os olhos decentemente. Ainda eram 3:47 da madrugada. Suspirei pensando que pelo menos ainda poderia dormir mais um pouco, e soltei o relógio na mesa. Foi quando reparei que ali repousava um pergaminho amassado, enrolado em fita brilhante e com um nome escrito na frente: “Para Nathan”.

Peguei o pergaminho e desenrolei impaciente, enquanto ouvia meu próprio coração em meio ao silêncio.

TUM DUM. TUM DUM. TUM DUM.

Estiquei a mão e acendi o abajur para conseguir ler. Eram poucas palavras, uma despedida camuflada. Simples, mas as palavras mais simples são as que mais machucam.

Minha mão tremeu e a respiração hesitou por um momento. Que dia típico e clichê para o Halloween – já começou com um pesadelo.

Suspirei. Não era novidade. É claro que uma hora ou outra esse momento ia chegar. “Até que demorou bastante” – disse a mim mesmo, virando na cama e encarando o quarto mal iluminado por vários minutos.

Não deu muito tempo de me afundar na tristeza. Logo percebi uma sombra se movendo, perto da porta mal cuidada de madeira. Como se um vulto estivesse me observando e se esgueirasse para fora assim que o percebi.

Intrigado, sentei vagarosamente na cama, afastando as pesadas camadas de cobertores e colocando os pés no chão. Minha espinha arrepiou – hoje estava uma noite particularmente gelada. Tremendo de frio, levantei, esfregando meus braços.


TOC

TOC


Ouvi batidas lá embaixo. Eu moro em uma casa no subúrbio de Londres, com o padrão inglês: dois andares, em madeira, porta diretamente na rua. Olhei a janela e decidi pegar uma lanterna – se houvesse alguma ameaça, era melhor não me anunciar.

“Que ameaça? Já está ficando louco, Nathan...”

Fui até a janela e me apoiei cuidadosamente no parapeito, olhando lá embaixo onde fica a porta de casa. Não havia ninguém ali. Provavelmente foi mais um grupo de crianças estúpidas querendo pregar peças por não terem os doces. Balancei a cabeça e já estava prestes a admitir que eram sons e vultos criados na minha própria cabeça quando ouvi um grito, uma voz fina e estridente:

- NAAAATHAAAAAAAAAAAAAAAAN!!!!!!

Desci correndo, sem me importar em calçar sapatos ou ligar as luzes no caminho. A escada estralou furiosamente com meus passos apressados. Quando cheguei na sala de estar, vi a minha porta aberta e uma garota pequena, que usava uma camisola longa na cor branca, sendo arrastada para fora. Ela se debatia contra o braço de seu agressor, que a puxava violentamente até um carro estacionado na rua. Dentro dele, pude ver três monstros com olhos esbugalhados e sangue escorrendo por suas bocas. Foi depois de alguns segundos que percebi que se tratavam de fantasias para o Halloween.

Entrei em pânico. Peguei a primeira coisa que estava ao meu alcance para usar como arma – a lanterna – e corri atrás deles. Enquanto corria, via um vulto com forma humana entrando no carro com a garota – a minha garota – e dando partida.

Continuei correndo como louco atrás do carro. Só reparei que minha respiração não aguentava mais quando caí no asfalto, vendo os faróis se afastarem. Gritei por ajuda, mas apesar de ter várias pessoas na rua, fantasiadas, carregando abóboras iluminadas, rindo e cantando músicas infernais.... ninguém me deu atenção.

O desespero, medo, aflição e confusão me atormentavam agora. Levantei e continuei correndo na direção de por onde o carro fora, desviando dos monstros, bruxas e fadas assassinas que estavam na rua, enquanto procurava meu celular para acionar a polícia. Esqueci completamente que ainda estava descalço e usando só uma cueca e camiseta de dormir, nada de celular. Nessa hora, nem sentia o frio ou o gelo aos meus pés.

Vi então um clarão na direção do parque do bairro. Parecia a luz do carro que vi em frente à minha casa, então corri para lá. Na pior das hipóteses, poderia ser alguém a quem eu pediria desesperadamente por socorro. Corri o mais rápido que podia até lá, atravessando a grama e alcançando a areia, de onde podiam ser vistos os balanços e o escorregador, iluminados de laranja e com morcegos pendurados aqui e ali. Uma única árvore se erguia no parque, alta e nesse momento sem suas folhas. Os galhos secos e aparentemente sem vida davam um ar sombrio ao lugar.

Por falar em sombra, foi ali que vi de novo o vulto que tinha visto no meu quarto. E agora esse vulto tinha olhos. Olhos! Azuis. Um azul intenso, profundo. E olhavam diretamente para mim.

- Não toque nela! – Eu gritei, e minha voz demonstrava que eu estava saindo do controle. O coração acelerado bombeava mais sangue para as pontas dos dedos, e minhas mãos estavam fervendo.

Em resposta, a sombra se afastou para trás da árvore lentamente, e agora eu pude ver um risco aparecendo como se fosse sua boca, em um sorriso irônico.

Eu o segui. Mais devagar agora, segurando a lanterna, mas hesitando em acendê-la. Não queria espantar o vulto – já que ele parecia ser feito de sombras. A luz o espantaria, e eu precisava encontra-lo. Ele andou até a calçada, atravessou a rua, pouco iluminada pelas luzes amarelas dos postes. Do outro lado, o mesmo carro estava estacionado, em frente a uma casa de aparência abandonada. Entrou.

Olhei para os dois lados e corri até a casa. Parei na frente, tomando cuidado e acalmando minha respiração, mas ainda com o coração acelerado. A janela ao lado da porta estava com o vidro quebrado.

“É uma armadilha” – pensei.

- Nathan! – ouvi novamente o grito, a voz dela. Vinha do interior da casa.

Não me importei com mais nada, entrei na casa, usando a força do meu ombro para abrir a porta. Estava tudo em completa escuridão, não se enxergava um palmo à frente. Minhas mãos trêmulas procuravam acender a lanterna de maneira apressada, mas a ansiedade não me permitia conseguir encontrar o simples botão no objeto.

Foram alguns segundos de luta contra a lanterna até que a liguei. Apontei para frente, mal deu para ver o corredor quando a luz falhou.

“Droga”.

Continuei lutando contra a lanterna, até que desisti, a larguei no chão e andei com as mãos estendidas, esperando que meus olhos logo se acostumassem à escuridão.

Pisei em falso e caí.

Mas não foi uma queda brusca, foi até suave. Com as mãos estendidas para proteger meu rosto, notei que elas tocavam não madeira, mas algo fofo. Uma luz intensa surgiu de repente, me cegando momentaneamente. Pisquei várias vezes para conseguir enxergar, e notei que minhas mãos tocavam grama verde e fresca. Pisquei novamente, confuso, e ergui a cabeça. Meus olhos ainda estavam se acostumando à luz do sol intenso. Ao meu redor, haviam flores amarelas e vermelhas, e uma única árvore podia ser vista mais além, repleta de folhagens, junto de um par de balanços e um escorregador, que estavam decorados com morcegos feitos de papel.

Ao lado da árvore vi uma garota usando um vestido branco, simples e comprido. Ela sorriu para mim e estendeu a mão.


TUM DUM

TUM DUM


Fiquei intrigado, o que estava acontecendo?

Já amanheceu? Caí no jardim daquela casa?

Acho que eu estava sonhando....

Bom, não importava. Meu rosto se iluminou com um largo sorriso. Meu peito se encheu de alegria. Afinal, ela estava ali, e era mais um dia de verão.

Respirei fundo, tentei ajeitar os cabelos rebeldes e caminhei até ela. Estava esplêndida, como sempre. Suas feições graciosas faziam contraste com os cabelos tão negros como o carvão. Linda.

Cheguei perto e estendi minha mão para segurar a dela.
​​



- Acorde, Nathan, acorde, acorde!!

Abri meus olhos, ainda estava escuro. Começou a chover e o barulho era confortável. Me virei, ignorando a voz dela em minha cabeça. Forcei os pensamentos a irem embora, até que consegui me acalmar e, ignorando as batidas na porta e as vozes infantis que diziam “Doces ou travessuras??”, peguei no sono novamente.

London, 2050

 Por Nathan

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